A Editora Cara de Pavio é mais uma criação do Paulo Netho: aqui ele vai semeando, em forma de livros, a sua poesia dos últimos trinta anos e a sua intensa produção poética de hoje e de amanhã... Nos últimos vinte anos, tenho o privilégio de acompanhar esse recitador de poesias nos seus espetáculos. E eu posso afirmar com todas as palavras: tudo aqui tem cheiro de vida, tudo aqui tem o sabor da permanente novidade das verdades de sempre.

A poesia do Paulo Netho desperta em mim um bafuá de sentimentos, silêncios, sorrisos... E eu vou partilhar aqui algumas dessas reflexões...

     Como saber se um poema é para a criança? Simples. Declame o poema para a criança e aguarde o resultado. Ela arregalou os olhos? Ficou curiosa? Sorriu? Deu um pulo? Rodopiou?

        Por exemplo...

        Qual será a reação da criança diante do intenso movimento teatral do poema “O carro do Betão”? E diante do palavreado travalinguístico do poema “Bola rolando”? E diante das sugestivas ideias do poema “Pedidos”?

E tem mais...

Falar em criança é, na verdade verdadeira, falar em “muitas crianças”: uma criança de 3 anos é tão diferente de uma criança de 6 anos, que é tão diferente de outra de 9 anos... É natural, portanto, que o mesmo poema seja acolhido de diferentes maneiras nas diferentes idades...

E aqui entra em cena outro personagem...  

Para que estes poemas cheguem nas mãos das crianças, precisamos de um mediador: a mamãe, o papai, a vovó, o vovô, a professora, o professor... E é justamente nesta leitura partilhada - entre a criança e seu adulto -, que o “poema para a criança” ganha a dimensão de “infância”. Sim, porque a infância não é exclusividade da criança. A infância é a melhor definição da pessoa – em qualquer idade...

No prefácio a uma famosa edição dos “Contos de Perrault”, lançada em 1883, o escritor P-J Stahl identificou o “duplo objetivo” dessas obras para a infância:

Os contos são curtos e isso lhes permite ser cheios de espírito em cada palavra sem ultrapassarem o duplo objetivo a que se propõem: cativar a criança e provocar sorrisos e reflexões no adulto. (*)

Por exemplo...

Qual será a reação do adulto diante da alegre tristeza do poema “Minha escola”? E diante do surpreendente poema “Lagrimar”? E diante da lírica definição de “saudade” no poema “Invasão”?

E vocês descobrirão muitas outras coisas neste mar de poesia...

Por exemplo...

O bate-bola com os escritores, os jogos de linguagem a partir dos nomes, a memória, o cotidiano, o humor, a imaginação desconcertante, os poemas em forma de diálogos...

E merece destaque um detalhe importantíssimo da poesia paulonetheana: a espiritualidade. O poeta não nega à criança e seus adultos o direito ao sobrenatural, ao metafísico... Ele convive com Deus como convive com os amigos – como no poema “Quer saber?”. Conversa com Deus como conversa com a mãe – como no poema “Deusinho”.

Atualmente, nós, pais e professores, nos dedicamos a desenvolver intensamente as dimensões lúdicas, artísticas e intelectuais da criança – mas nos esquecemos de desenvolver a sua espiritualidade, as suas dimensões contemplativas. A espiritualidade é algo que potencializa o crescimento integral – incluindo os aspectos cognitivos e estéticos. E ninguém precisa se assustar: a espiritualidade não se refere a uma ou outra religião. A espiritualidade é algo que nos conecta com todos. Como diz Teilhard de Chardin: tudo que eleva, converge. E isso é tão natural na criança!

E tudo isso é tão presente na obra do Paulo Netho! Viva a poesia com cheiro de vida! Viva a Cara de Pavio!

 

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

(*) Contos de Perrault. Tradução: Regina Regis Junqueira. Editora Vila Rica, Belo Horizonte/Rio de Janeiro, 1994. Quarta Edição.Ilustrações: Gustavo Doré (1832 -1883) Esta obra foi publicada originalmente em 1883. Introdução: P.-J.Stahl – pseudônimo do escritor e editor Pierre Jules Hetzel. Página 46.)